Ultra Trail Conímbriga Terras de Sicó (111km) – Relato

28 Fevereiro 2015 pelas 00h00m começa mais um desafio no qual tentava concluir a minha 1ª prova de 3 dígitos. Antes de mais um grande obrigado ao meu amigo e companheiro de prova Isaac Costa.
A prova começa rolante por caminhos em terra batida e de fácil progressão. Pouco tempo depois aparece o primeiro obstáculo, a chuva (que acompanhou durante quase toda a prova). Foi uma madrugada “morrinhenta” que ia massacrando e dificultando a progressão em determinadas zonas do percurso. O piso era duro mas com uma fina camada de lama à superfície, pior que musgo.  A primeira descida foi muito difícil, muito acentuada e escorregadia com a queda de alguns atletas. No 1º abastecimento foi perceptível que a Organização estava com os atletas, não faltava nada. Logo depois entramos no Trilho das Pegas com uma subida incrível… o elevador é um menino!!!  Foi a pior subida da 1ª metade da prova.
Em conversa ia-se falando que nestas provas todos morrem e renascem várias vezes. Cerca dos 22km, com 03h30m, morro a primeira vez. Senti muito sono, queria dormir, mas rápido renasci (redbull diluído na água e uma sande de presunto foi remédio santo). Aos 27km excelente cenário com chegada ao Castelo de Penela. Aqui a 1ª barreira horária à qual se chegou com 30minutos de folga.
Até aos 33km rolava-se bem e o abastecimento abastecia mesmo com umas belas bifanas e cerveja para quem quisesse. Os 40km chegaram rápido, a prova estava fácil e nada melhor do que uma sopa de pedra e um arroz doce. Sentado percebi que o calção de compressão descoseu e que a coxa direita estava a queimar por fricção. Preocupou-me, mas aos 50km já tinha a muda de roupa.
Assim que saio do abastecimento, senti dificuldade em correr. Depois de um ritmo constante não aconselho a parar e sentar repentinamente. Entretanto fui recuperando e cheguei aos 50km (2ª barreira horária- 11h00m limite), eram 08h00m. Mudo de roupa e percebo que já tenho a coxa em muito mau estado. Bastante vaselina ajudou, mas já era dicícil recuperar dessa mazela. Abastecimento com sopa e uma bela massa à bolonhesa foi do melhor naquele momento. Já com equipamento BYL siga e a chuva continua.
11021265_10204699331860398_1827699241845599791_nUm dos momentos mais belos, entramos no Trilho das Cascatas. Para quem conhece os Abutres era um trilho muito parecido, a descer para uma cascata lindíssima e muito técnico. Depois disto lá se ia rolando dentro do possível pois já se começavam a sentir algumas dificuldades mas ainda cheguei aos 64km (3ª barreira horária – 13h30m) com 11h40m e a correr. Até aos 83km a progressão começava ficar cada vez mais lenta e encontramos algumas subidas curtas mas que só de gatas se conseguia subir. Numa delas vi um colega a passar por mim, mas foi a descer de tanto escorregar… Nos 83km estava muito confiante em concluir, comi 2 canjas e sentia-me bem.
Ao fim de poucos km senti que fiz uma enorme bolha no pé direito e as coxas estavam cada vez em pior estado, mal conseguia juntar as pernas, estava a ficar insuportável. Já só caminhava num single track de tecnicidade média onde desesperava para mudar de roupa.
O abastecimento de Tapéus tinha a barreira horária dos 93km (20h30m) à qual chegamos com 18h05m. Mudei de roupa e sentei-me para comer uma massa. Algo estava mal quando senti que não tinha força para comer. Já estava desorientado e sem saber o que queria. A comida sabia-me mal. Levantei-me e acabei de me preparar para arrancar, queria acabar aquilo rápido, estava farto, saturado de tanto monte e chuva, apesar de não estar frio. Nesse momento senti-me zonzo, logo de seguida um bocado enjoado, não podia sair assim. Fiquei um pouco mais a tentar recuperar, fui encaminhado para uma marquesa por elementos da organização onde me deitei. Rapidamente comecei a sentir muito frio e sono. O corpo precisava de descanso. Observado pelo excelente e simpática equipa dos Bombeiros de Condeixa foi diagnosticada uma quebra dos níveis de açúcar no sangue. Talvez tenha ingerido pouco, talvez tenha sido essa a falha, mas não importa. Ingeri de imediato marmelada e açúcar e fiquei bem disposto e divertido. Colocaram-me a possibilidade de continuar mas mesmo assim optei por ficar. Ainda alguém me questionou sobre os 3 pontos que a prova dava para MontBlanc mas eu não corro por pontos mas sim para me sentir bem e feliz. Resolvi desistir pois iria estar a arriscar demasiado se continuasse pois percebi que estava a perder o controlo sobre o meu corpo. Como o Laranjeira disse, “Desafios há muitos, vida há só uma”.
Devo ainda referir todo o acompanhamento dessa fantástica equipa de bombeiros que me transportaram na ambulância para a zona de banhos de forma a ir mais confortável quando poderia ter ido de carro. No transporte para a ambulância surge o momento hilariante. O apoio da maca estava mal preso e a maca cai… só me ria…
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Um obrigado a todos aqueles que me enviaram mensagens de apoio.
Um obrigado ao Isaac Costa por todos os momentos e à Sara Machado por todo o acompanhamento.
Um especial obrigado à minha Niki Marie por toda a paciência, acompanhamento e força que me transmitiu. Sem estar inscrita, enquanto era observado foi-se equipar para me acompanhar nos últimos 18km. Não és uma mulher com “M” grande, és uma MULHER com as letras todas grandes… Adoro-te!!!
Para concluir, sinto que nestas provas o treino é muito importante mas contribui apenas com uns 50%. Os outros 50% vão para a determinação, ausência de mazelas e gestão de alimentação. Uma simples distração torna-se difícil de corrigir.