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Dieta de recuperação – o segredo dos atletas

Embora raramente recorra à expressão “refeição mais importante do dia”, a utilizá-la seria no contexto desportivo e em relação à refeição de recuperação do exercício.

Sendo o exercício um agente de stress metabólico (catabolismo, desidratação), a seleção criteriosa dos nutrientes, no momento certo, vai restabelecer a homeostasia do organismo e promover adaptações fisiológicas, podendo ser decisiva para uma recuperação completa.

Após o treino, as prioridades são: repor as reservas de glicogénio (que em treinos longos ou de alta intensidade poderão ter sido praticamente esgotadas), fornecer substrato para reparar as micro lesões que decorrem, naturalmente, do esforço, e reidratar (artigo Hidratação Pró-rendimento). O principal objetivo é sempre: preparar para render o máximo na sessão de treino seguinte.

O aporte adequado de hidratos de carbono (HC), é uma das chaves nutricionais. Os HC vão repor as reservas de glicogénio hepático e muscular, que serão a principal fonte de energia nos esforços de alta intensidade. A capacidade de endurance e a diminuição da perceção de fadiga estão diretamente relacionadas com a quantidade de reservas de glicogénio no início do exercício.

Embora a síntese de glicogénio ocorra mesmo sem ingestão de HC, com a sua omissão, a reposição de glicogénio é baixa. Estudos indicam que ingerir HC logo após o exercício promove uma síntese de glicogénio muscular maior do que a ingestão da mesma quantidade, 2 horas após. Por este motivo, e em especial se o intervalo entre os treinos é curto (< 8 horas), a recuperação deve ser iniciada o mais rápido possível, de preferência nos primeiros 60 minutos.

Uma reposição adequada de glicogénio parece ser atingida com a ingestão de 1,2 g HC/kg de peso corporal/h, nas 4 horas subsequentes, em pequenas refeições (de 20 em 20 minutos, por exemplo).

Se o tempo para a recuperação for longo, os atletas podem iniciar a ingestão mais tarde, desde que a quantidade total de HC necessária para o dia seja atingida em 24 horas.

Na recuperação, as fontes de HC devem ser sempre de fácil digestão e absorção (médio e elevado índice glicémico). Exemplos de interesse: banana madura, laranja, tangerina, mirtilos, morangos, framboesas, melancia, uvas passas, línguas-de-gato, bolachas tipo Maria, pão branco, flocos de milho, batata, aveia, cenoura, ervilhas, gelatina, mel, compota.

Para os atletas que não têm apetite após o exercício, bebidas ricas em HC costumam ser mais apelativas, em relação aos sólidos. A bebida desportiva e os sumos de fruta naturais estão adequados.

87452883Ingerir proteínas juntamente com HC, parece promover ainda mais a síntese de glicogénio muscular, sobretudo após exercícios de alta intensidade. Verifica-se que esta co ingestão na recuperação, aumenta o tempo que decorre até à exaustão nos sprints do treino seguinte. Além disso, as proteínas vão ser o substrato de eleição para a reparação e síntese de tecido muscular.

Ao combinar estes macronutrientes, o aporte de HC pode diminuir para os 0,8 g/kg/h, adicionando 0,2 a 0,4 g proteína/kg/h.

As fontes proteínas também devem ser selecionadas com rigor: devem ser de origem animal, devido ao alto valor biológico (contêm aminoácidos essenciais, não produzidos pelo organismo), de alta digestibilidade e de rápida absorção.

Alimentos como o leite magro (nas restantes refeições do dia poderá ser o meio gordo), se for tolerado, iogurte com pedaços, queijo magro, carne sem gordura, peixe e ovo, são de considerar na recuperação. Alguns suplementos proteicos comerciais, podem ter interesse, porque também atenuam o catabolismo muscular induzido pelo treino, ao mesmo tempo que promovem a síntese proteica, graças à presença de leucina. Destacam-se os BCAAs (aminoácidos de cadeia ramificada) e a proteína do soro do leite (whey protein).

artigo_recupO leite achocolatado, com baixo teor de gordura, tem sido indicado como uma excelente bebida de recuperação, graças ao teor em água, aminoácidos essenciais, incluindo a leucina, HC de rápida absorção, água, sódio, potássio, ou seja, nutrientes-chave na recuperação. Além disso, é económico e extremamente prático, já que as embalagens pequenas são fáceis de transportar e não necessitam de refrigeração.

Além dos macronutrientes-chave, alguns micronutrientes desempenham um papel fundamental na reparação de tecidos. As vitaminas C, E e selénio são exemplos disso, conferindo ainda um potente efeito antioxidante. Embora a atividade endógena antioxidante esteja aumentada em indivíduos treinados, o aporte de alimentos ricos em antioxidantes é indispensável. Legumes, frutos frescos e de casca rija (nozes, avelãs, amêndoas) são as principais fontes e quanto maior a variedade de cores, maior o benefício na recuperação. A suplementação poderá ser equacionada em alguns casos, se supervisionada por um nutricionista, porque o risco de atingir mega doses, com efeitos adversos para o rendimento, é uma realidade frequente.

Alguma evidência aponta também para a aceleração da síntese de glicogénio com a suplementação em creatina e cafeína (altas doses) (abordagem em artigos futuros).


Algumas sugestões

Por vezes, a refeição de recuperação pode ser um verdadeiro desafio, principalmente para os atletas que conciliam os treinos com a profissão. Soluções práticas e eficazes são obrigatórias. Eis algumas sugestões para um indivíduo de 70 kg: 56 g HC e 21 g proteína:

  •  2 ovos cozidos + 185 ml iogurte líquido + 150 g de banana
  •  2 pacotes de leite achocolatado light + 60 g de pão branco + 30 g queijo flamengo magro
  •  75 g de pão branco + 3 ovos mexidos + 150 g de laranja
  •  75 g de pão branco + 85 g de atum bem escorrido + 200 ml de bebida desportiva

Quando o almoço, ou o jantar, são a refeição de recuperação: creme de legumes (com batata ou ervilhas); prato: carne/peixe magros/ovo, batata (puré)/arroz branco/massa bem cozida, legumes crus/cozidos pouco fibrosos; bebida: água/sumo de fruta natural; e sobremesa: fruta fresca, de preferência, e/ou doce, como aletria, se o treino tiver sido intenso.

As confeções devem ser pobres em gordura e fibra, para garantir uma rápida recuperação.

 Sensibilizar os atletas para incluir a refeição de recuperação no ambiente de treino, no balneário por exemplo, pode ser meio caminho andado para o sucesso desportivo.

Se desejar partilhar a sua opinião sobre o tema envie e-mail para angela.s.henriques@gmail.com.

 

Prevenção de Lesões em Atletas de Resistência

Consideramos atletas de resistência todos aqueles que praticam regularmente uma actividade física que potencia a capacidade do organismo em resistir à fadiga numa actividade motora prolongada. Zintl (1991) define resistência como “a capacidade de manter um equilíbrio psíquico e funcional o mais adequado possível perante uma carga de intensidade e duração suficientes para desencadear uma perda de rendimento insuperável (manifesta), assegurando, simultaneamente, uma recuperação rápida após esforços físicos”.

A duração necessária para que um exercício possa ser considerado como de resistência surge com uma amplitude de variação muito elevada. Na verdade, o conceito de resistência aplica-se a períodos de tempo extremamente diversos, de muito breves a muito longos, retirando a sua legitimidade da noção de que se trata sempre de manter, para um determinado período de esforço, a mais elevada intensidade média de trabalho possível.

No entanto, e falando mais concretamente no caso dos seguidores Beat Your Limit! (BYL!) cujo objectivo é a superação, estaremos a considerar a corrida de longas distâncias (meias maratonas e maratonas) e do Trail, cujas distâncias de enquadram em modalidades de resistência.

Existe uma crença generalizada de que o desporto e actividades física são essenciais para a saúde. De facto, nos últimos anos atribui-se um reconhecimento crescente ao desporto na promoção da saúde e prevenção da doença. Então como se explica que uma actividade desportiva possa ser promoção da saúde e prevenção da doença e ao mesmo tempo sede de lesões desportivas para o indivíduo que a pratica?

A resposta a esta questão envolve uma série de factores (que podem estar na origem da lesão desportiva) que devemos ter em conta. São eles os Factores de Risco de Lesão Desportiva. Assim, e para começar a sistematizar ideias, devemos olhar para a nossa prática desportiva em 2 grandes campos:

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São variadíssimos os factores que podem estar na origem de uma lesão desportiva. Vamos então tentar esquematizar para ser mais fácil contorná-los.

Os factores de risco podem ser Intrínsecos, Extrínsecos e Relacionados com a modalidade.

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Factores Intrínsecos:

Indicações e Contra-Indicações médicas

Existem situações patológicas incapacitantes gerais para a prática desportiva de modalidades de resistência (corrida), nomeadamente cardíacas, pulmonares, renais e hematológicas ou algumas mais específicas como patologias do joelho e pé.

Idade e Sexo

Nos atletas mais jovens há uma predisposição para maior numero de lesões relacionadas com crescimento. Nos mais velhos as lesões dizem respeito a degeneração articular e tendinosas.
Nas mulheres o maior risco de lesão verifica-se entre os 10 e os 15 anos. Nos homens situa-se entre os 15 e os 30 anos.

Condição física e domínio da tarefa

Boa capacidade muscular, correcta flexibilidade e boa coordenação neuro-muscular diminuem o risco de lesões.

Morfotipo e composição corporal

Um índice de massa gorda não superior a 10% e um correcto ajustamento entre morfotipo e especialidade desportiva diminuem significativamente o numero de lesões.

Factores psicológicos e sociológicos

O controle dos níveis de ansiedade, e da activação psíquica, o reconhecimento do nível concentração ideal e do nível atencional poderão promover uma optimização do rendimento e diminuir o numero de lesões. Factores como a motivação, a capacidade competitiva, o domínio da tarefa e aprovação social da prática desportiva poderão ser decisivos no desempenho e na prevenção de lesões desportivas.

Factores Extrínsecos:

Condições atmosféricas

Baixas temperaturas , calor e humidade excessivas aumentam o numero de lesões, assim como a prática desportiva em condições adversas como a chuva, neve ou altitude excessiva (acima dos 2500 metros).

Equipamento

Vestuário desportivo adequado ás condições climatéricas, proteções (bucais, caneleiras, luvas, capacetes, entre outros), calçado em bom estado e adaptado ao tipo de terreno, são elementos fundamentais na prevenção de lesões (será abordado mais pormenorizadamente futuramente noutra publicação).

Planeamento de treino

Com a generalização da corrida e do trail nos dias que correm e, com a facilidade de informação a circular na internet é comum cada individuo treinar sozinho sem acompanhamento. Não nos podemos esquecer que devemos respeitar várias fases que englobam o treino: aquecimento, progressividade, volume, intensidade, alternância, arrefecimento e alongamento.

Local de treino e respectivas instalações

Esta variável assume alguma importância no caso do trail. Não podemos prever o estado do piso nem simular em treino com a certeza que no dia da prova será assim, ou que nos diferentes dias de treino estará sempre nas mesma condições. As mudanças abruptas de terreno (sem adaptar o vestuário) são fonte de lesão importante. Idealmente deviam existir instalações físicas próximas no final do treino para fazer a respectiva higiene e a crioterapia como forma de recuperação pós treino.

Higiene física

Este factor é um macro factor que engloba muitos outros:

  • Repouso: fundamental após treinos longos, intensos ou competição
  • Sono : não deve ser inferior a 8h num desportista de competição
  • Álcool e Tabaco : influência negativa no rendimento desportivo
  • Alimentação e Hidratação (Artigos Técnicos de Nutrição e Alimentação)
  • Família: importância de um ambiente familiar equilibrado
  • Fármacos e suplementação desportiva: respeitar indicações médicas e restrições das substâncias dopantes
  • Doença: atleta com febre ou doença serão contra-indicações ao treino ou competição

Factores relacionados com a actividade específica

Aqui referimo-nos às características específicas e próprias da corrida e do caso concreto do trail:

  • Modalidade combinada de resistência
  • Desporto de outdoor (eventualmente algumas provas de atletismo serão em pista coberta)
  • Exigência e especificidades elevadas (maior importância no trail);
  • Movimentos repetitivos em carga
  • Amplo e variado quadro competitivo
  • Sub-categorias (meia-maratona, maratona, trails de diferentes distâncias e dificuldades…)
  • Variedade de estímulos imposta ao praticante (maior importância no trail)

Após enumeração dos vários factores de risco a ter em conta, analisaremos agora a Prevenção de Lesões.

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A Prevenção Primária diz respeito às medidas para promover a saúde através de educação para a saúde e cuidados específicos que minimizem a probabilidade de ocorrerem acidentes ou lesões.

A Prevenção Secundária tem como objectivo o diagnóstico precoce e o tratamento correcto de forma a evitar complicações e sequelas futuras.

A Prevenção Terciária tenta prevenir a cronicidade e recidiva de lesões, as disfunções funcionais e reintegrar o atleta na modalidade após lesão.

Olhando para esta descrição é fácil concluir que existem muitos mais benefícios na prevenção que na recuperação de lesões.
O nosso objectivo é actuar na prevenção primária, multidisciplinarmente e englobando os factores intrínsecos, extrínsecos e os relacionados com o corrida/trail.
Então olhemos um pouco mais aprofundadamente para estas 2 modalidades.

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Pela análise do gesto técnico da corrida, tipo de solo e conjugando com todos os factores acima referidos, as lesões mais frequentes da corrida/trail são:

  • Tendinopatias patelares, aquilianas, dos isquitibais, do tibial anterior…
  • Entorses da tíbio-társica
  • Síndrome do Piramidal
  • Síndrome Patelo-femoral
  • Síndrome da Banda ileo-tibial
  • Síndrome compartimental crónico da perna
  • Fascites Plantares
  • Pubalgias
  • Periostites
  • Fracturas de stress

Os sinais de alerta a ter em conta para evitar a instalação destas patologias são:

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No caso de sentir algum destes sintomas deverá recorrer a uma opinião médica / fisioterapia.

De seguida ficarão ilustrados alguns exercícios que deverão realizar com a maior frequência possível no sentido de prevenir as lesões acima inumeradas.

EXERCÍCIOS DE PREVENÇÃO

Trabalho de Propriocepção e Estabilidade da Tíbio-Társica

A propriocepção é a percepção de posicionamento que o corpo tem no espaço, permitindo assim a manutenção do equilíbrio e a realização de diversas atividades do nosso dia-a-dia.

Os exercícios de propriocepção e estabilidade visam estabelecer o equilíbrio dinâmico das articulações e são executados mediante tomada de peso sobre a articulação, normalmente em situações de desequilíbrio a fim de promover a reeducação do equilíbrio (músculos estabilizadores trabalham em sincronia para promover o ponto de equilíbrio).

Não é necessário comprar materiais específicos. Podem ser feitos apenas com o peso do corpo, fechando os olhos, provocando movimentos que promovam desequilíbrios, etc…

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Alongamento Lombar, cadeia posterior, abdominais, psoas-ilíaco, gémeos

Alongar as estruturas mais solicitadas durante o treino. Ir ao limite do alongamento sem dor e manter durante 15 seg.

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A cadeia posterior é muito solicitada na corrida, quer para a impulsão e propulsão, quer para a estabilização da coluna. A cadeia interna do MI também deve ser alongada, prevenindo desde logo possíveis pubalgias e encurtamentos dos adutores.


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Alongamento Tibial Anterior, Peroneais e Fáscia Plantar

O Tibial Anterior e os Peroneais são bastante solicitados na corrida. Deve começar a ser hábito ganhar prática e rotina de auto-trabalhar e auto-mobilizar todo o pé.

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Auto-massagem músculo piramidal

O Síndrome do piramidal é muito frequente e após longas corridas o músculo piramidal fica bastante tenso e contracturado. A auto-massagem deverá ser uma prática constante e importante. Pode ser usada uma bola de ténis ou outro material.

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Exercícios de mobilidade lombo-pélvica

Pela solicitação na estabilização para a corrida é importante a introdução de uma rotina de exercícios que promovam a mobilidade da coluna, essencialmente a lombar, ajudando assim, também, a prevenir posturas incorrectas e viciosas. Pode ser feito com material de apoio ou apenas com o peso do corpo.

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Bons treinos!!!

Se permanecerem dúvidas ou pretenderem partilhar opiniões poderão fazê-lo para o seguinte e-mail: aleite86@gmail.com

Bibliografia
Zintl (1991) – Zintl, F. Entrenamiento de la resistencia. Barcelona:Martínez Roca, 1991.