A locomoção natural do Homem não se faz na água nem no ar. O nosso meio natural de locomoção é a terra e por isso marchamos, caminhamos e corremos. É-nos inato.
Quando a marcha se faz a uma velocidade mais elevada, a uma velocidade que ativa o nosso organismo e nos pode levar a adaptações favoráveis, temos que responder com mais intensidade, o que nos leva a correr.
Correr implica não apenas uma ativação funcional (pois para isso bastaria um simples ergómetro, bicicleta estática..etc). Correr é mais, muito mais! Correr é explorar o espaço, a natureza, os trilhos, os lugares, as pistas, as montanhas, o deserto.
Contudo não basta fazê-lo apenas com prazer. Temos que ser pro-activos no que respeita à nossa saúde e por isso tomar medidas preventivas.
Ao caminhar, marchar ou correr deslocamos o nosso corpo no espaço à custa do único ponto de contacto com o solo: os pés. Estes são os primeiros receptores das forças de reação do solo durante a corrida, tornando-os mais propensos a lesões.
Assim sendo torna-se importante conhecer o tipo de passada e apoio do pé no chão de forma a escolher o calçado mais adequado para a prática da corrida.
A forma da passada de cada indivíduo é determinada pelas suas características anatómicas, nomeadamente o tipo de pé. Assim consideram-se e classificam-se os tipos de pés em 3 grandes grupos: pé normal, pé plano, pé cavo.
Pé Normal / Passada Neutra
É o tipo de pé “mais equilibrado” que conduz a uma passada com maior equilíbrio, onde o impacto é uniforme e considerado o ideal. Existe um nível estável entre uma ligeira supinação e pronação (8º a 15º) o que cria uma absorção de choques eficiente na fase de apoio da passada. A parte externa do pé contacta primeiro o solo (mínima pronação) e logo de seguida o pé roda ligeiramente para dentro (mínima supinação).
O arco do pé tem uma altura média e o calcanhar permanece em posição vertical em relação ao solo. Neste tipo de passada há um movimento uniforme desde o calcanhar até a ponta do pé e a sola do calçado desgasta-se de uma forma homogénea.
Um corredor “neutro” é geralmente “mais biomecanicamente” eficiente e o risco de lesões é menor.
Pé Plano / Passada Pronadora
O pé plano surge quando há uma rotação interna excessiva do pé e do tornozelo, sendo conhecido como “pé chato”. Todos os corredores realizam este movimento de rotação interna do pé (pronação), mas neste tipo de passada é feito de forma exagerada.
Durante a passada há um apoio da face externa do calcanhar e logo se seguida há um movimento excessivo do pé para dentro, criando uma grande sobrecarga na parte interna do pé. Existe portanto, um maior desgaste na sola do calçado do lado interno.
Este tipo de passada coloca maior tensão na estrutura do pé, o que pode provocar desalinhamentos no tornozelo, joelhos e os ancas. Há um risco acrescido de lesão no tendão de aquiles, fáscia plantar, tendão do rotuliano e banda iliotibial. Normalmente este tipo de pé apresenta excesso de flexibilidade causando uma instabilidade do pé e tornozelo.
Pé Cavo / Passada Supinadora
A supinação é o oposto da pronação. Neste tipo de pé existe uma sobrecarga na parte de fora do pé. O movimento da passada inicia-se com o apoio da face externa do calcanhar, poderá ocorrer uma ligeira pronação, mas caracteriza-se de seguida, por um excessivo apoio na face externa do pé, terminando assim a passada (face de apoio do pé no chão). Tal como na pronação, as forças durante o ciclo da pisada não são distribuídas de igual forma pelo pé, que se apresenta com um arco do pé demasiado alto. A sola do calçado fica mais gasta na parte externa.
O peso corporal fica mais distribuído na face externa do pé e dedos do pé. Há uma grande predisposição para os entorses do tornozelo.
Conhecendo o nosso tipo de pé anatómico e a forma da passada torna-se mais fácil escolher o tipo de calçado.
Pelo acima descrito facilmente depreendemos que a escolha do calçado mais adaptado ao nosso pé nos permite aumentar o desempenho desportivo como prevenir lesões, uma vez que minimiza as consequências da sobrecarga gerada por uma passada “não normal”. E não podemos esquecer que estamos a prevenir lesões não só na estrutura pé e tornozelo, como também joelhos, ancas e mesmo a coluna.
A forma como podemos perceber o nosso tipo de passada pode ser variada. O ideal e recomendado é ser avaliado por uma pessoa especializada. Um médico, fisioterapeuta ou técnico da área do desporto com conhecimentos desta vertente.
O profissional de saúde conseguirá fazer a avaliação sem recorrer a muitos meios físicos e tecnológicos. Por vezes a análise postural e dinâmica da marcha/corrida dá-nos toda a informação. Algumas lojas desportivas já estão munidas de tecnologia que fornece as informações necessárias à correta aquisição do calçado, como sejam as plataformas de avaliação podobarométrica, que faculta dados como a morfologia do pé, pressões plantares, “pegada” durante a passada e os desvios antero-posteriores e laterais. É evidente que cada indivíduo pode recorrer a métodos mais “caseiros” como seja a análise da sola do calçado que nos indica qual a zona de mais pressão, recorrer a fotografias ou vídeos, ou por exemplo, envolver o pé em pó de talco e caminhar numa superfície lisa e avaliar posteriormente o tipo de passada. Contudo estas avaliações não são tão rigorosas. É importante realçar que além de uma análise estática do tipo de pé ou passada deverá dar-se primazia à análise dinâmica do tipo de passada durante o gesto técnico, neste caso da corrida.
Para além dos aspectos já falados existem outras categorias que influenciam a aquisição de calçado desportivo, como sejam: peso do atleta, piso onde corre, ritmo a que corre, história clínica de lesões, etc. Por exemplo, para indivíduos mais pesados a escolha deve recair em calçado com maior capacidade de amortecimento, para ritmos de corrida mais altos a escolha deve ser de ténis mais leves e para atletas com histórico de lesões de sobrecarga ou por exemplo de patologias da coluna lombar deverão ser escolhidos ténis com bom amortecimento.
De facto a modalidade praticada influencia bastante o tipo de calçado a adquirir. Em nada anula o já falado anteriormente. Só vem acrescentar e especificar a escolha do calçado. Não é igual comprar um calçado para corridas de velocidade do que para provas de trail.
Embora a oferta no mercado seja imensa, vamos tentar esquematizar as grandes categorias no diz que respeito a calçado de corrida:
Tipos de calçado segundo o tipo de pé e passada |
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Calçado Neutro |
Grande amortecimento (absorção do impacto) e pouco suporte do arco plantar |
Calçado Supinador | Grande amortecimento e praticamente sem suporte do arco plantar. Muito semelhantes ao calçado neutro |
Calçado Pronador |
Suporte interno rígido combinado com um bom amortecimento. Ténis muito estruturados |
Características especificas do tipo de calçado e modalidade praticada:
TRAIL
A prática de trail envolve terrenos com trilhos acidentados e/ou com declives acentuados. Por isso o calçado especifico para trail possui solas mais agressivas que as solas dos sapatos de estrada. Isto porque quanto maior for a dureza e tecnicidade do terreno, maior terá que ser a firmeza e agressividade da sola, de forma a melhorar a estabilidade e tração. Alguns modelos de ténis de trail incorporam nas solas pequenos pitons em metal, de forma a aumentar a tração.
Também a sola intermédia possui uma pequena característica específica: placas em termoplástico para proteger o atleta das irregularidades do terreno e para aumentar a sua estabilidade. Desta forma reduz-se a quantidade de material usado na sola, aproximando o centro de gravidade do ténis ao solo.
A parte do ténis destinado aos dedos dos pés é protegida com tecido ou borracha, para que, em trilhos mais acidentados ou com pedras, os dedos sofram o mínimo impacto, além de melhorar a durabilidade dos sapatos.
Por fim importa salientar que existem modelos de ténis para trail com maior ou menor grau de impermeabilidade que é um factor importante para a correcta respiração e perda de calor corporal pelas extremidades inferiores.
CORRIDA de VELOCIDADE
Para a corrida de velocidade o atleta necessita de um calçado mais leve e flexível (mais baixos) para que o esforço a cada passada seja menor. Para o sapato ficar mais leve (pequenas gramas podem fazer diferença) por vezes retiram-se (15‰) materiais associados à estabilidade e proteção e o cuidado ao usar estes equipamentos deve ser maior. A reduzida proteção dos sapatos de velocidade aumenta o risco de lesão.
Normalmente a sola é feita em borracha ou borracha combinada com sintéticos, possuindo normalmente uma placa em plástico resistente ou compostos sintéticos na zona do ante-pé. São sapatos muito leves, com estruturas superiores em lona, “nylon”, couro sintético, etc.
Neste campo podemos sub-dividir em várias categorias: sapatos de bicos para pista, sapatos para meio-fundo e fundo, sapatos para salto em altura, salto em comprimento, lançamentos e corta-matos.
Geralmente o calçado de velocidade tem que ser usado de forma muito justa ao pé.
Na hora de adquirir um calçado de corrida, para treino ou competição, lembre-se que pode ajudar em muito o seu desempenho e a sua saúde! Basta estar um pouco mais desperto para estas questões!
Se permanecerem dúvidas não hesitem em contactar (aleite86@gmail.com)
Bons treinos!