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PT281+ por Kaká Jesus
Tal epopeia tinha que ser contada na primeira pessoa. O atleta tinha que transmitir esta aventura e contar pormenores de tal conquista. Foram longos momentos onde cada detalhe tinha influência no seu destino. Fica o relato do grande campeão Kaká Jesus.
“Mais (muito mais) que 281 kms…
A PT 281+ foi um desafio que me marcou, não só fisicamente como também a nível psicológico. Consegui terminar a prova, com a moral em alta, depois de ter passado um mau bocado…
O castelo de Belmonte vestiu-se de gala para ver partir os 42 atletas inscritos. A minha primeira surpresa acontece aqui, quando os meus grandes amigos, a minha família do coração (FT), os meus anjos, surgiram todos de igual, com uma t-shirt de apoio. Uma grande emoção tomou conta de mim e as energias foram carregadas ao máximo.
Saí para os primeiros Km da prova totalmente moralizado. Foram feitos a correr, na companhia dos manos Luz e de uma Lua imponente, que se fazia refletir nas águas de uma forma estrondosa…
A paragem na primeira base de vida (BV1), o Sabugal, foi curta, apenas para comer algo. Segui animado em direção a Penamacor (BV2). Aqui, já com 80 km nas penas, pensei: “que porrada foi esta??”. Levei a primeira marretada, é certo 😉 Na BV2 a minha equipa esperava por mim, com a mesa posta e tudo pronto para me receber. Tinham um verdadeiro banquete à minha espera, no entanto, um pouco de cerelac, pizza e tomate foi tudo o que consegui ingerir. A vontade de comer era pouca, muito pouca! Descanso uns minutos e ponho os pés ao caminho… E que tortura foram os 41 km seguintes!
Ao longe, bem ao longe, começo a ver Monsanto, a aldeia mais portuguesa de Portugal, lá no alto. A aproximação foi dolorosa, tendo em conta a inclinação brutal e a calçada romana infinita!! Tudo doía, mas o que eu mais procurava era água, já que a minha se tinha esgotado e o calor não perdoava. Ainda faltavam 10 km para a próxima BV… Passo numa fonte, mergulho a cabeça na água, encho os bidões e sigo caminho. Nessa altura já pensava em desistir, e essa vontade cresceu depois da última subida até Penha Garcia. Já a chegar ligo, a chorar, à Cristina, minha mulher e membro da minha equipa de apoio, e digo-lhe que não vai dar mais, que ainda faltam 160 km e eu já estou de rastos. Ela diz-me para ter calma, que iam tratar de mim… Já quase a chegar à BV3 aparece o João, meu grande amigo e também membro da equipa de apoio. Eu, de novo em lágrimas, digo-lhe que não podia mais e que não tinha nada mais para dar… Ele ignorou-me e disse-me que precisava de descansar, mas descansar a sério…
Mais uma vez, estava tudo pronto à minha espera. A minha equipa, constituída por 3 pessoas (a Cristina, o João e o Diogo – fisioterapeuta), levou-me a casa de uma senhora, residente na aldeia, e à sua porta deu-me um banho de água fria (de mangueira). Cinco minutos depois, e já de roupa lavada, estava a dormir!!! Dormi umas boas 2 horas. Aquele pensamento de desistir tinha desaparecido, entretanto. Acordo bem-disposto, e cheio de fome, e sou tratado como um rei. A minha equipa foi, de facto, espetacular…. Fiquei quase novo e de energias renovadas pela presença da minha querida FT, que tudo fez para me animar e motivar…
Procuro sair da BV3 com companhia e é quando aparece o Faria. Fomos companheiros durantes os 82 km seguintes. Entre conversa, fotos, chamadas e sms os km iam passando e os pés e pernas iam ficando cada vez mais massacrados (pudera;)).
Chegamos a Idanha à Nova (BV4 – Bombeiros) e, mais uma vez, tinha a FT à minha espera. Preocupados com o meu estado não quiseram mais deixar-me! Aqui tenho nova grande surpresa com a chegada do meu amigo Ivo Morais, a mulher Paula, e os filhos Diogo e Catarina. Fizeram questão de acompanhar o meu percurso daqui para a frente, dormindo no carro, comendo pelo caminho e tomando banho onde dava. Não tenho palavras para agradecer…
A “box da Ferrari”, como era conhecida a minha equipa de apoio, lá me pôs a mexer. A Cristina na roupa e comida, o João na parte do equipamento e suplementação e o Diogo na parte muscular. Que trio maravilhoso e que grandes malucos estes! Sem eles não teria sido possível…
Lentiscais (BV5) era a próxima aldeia a ser conquistada. Foram 42 km, maioritariamente feitos de noite, cuja companhia do Faria fez toda a diferença. Podíamos até não falar, mas sabíamos que estava ali alguém…
Pelo meio lá aparecia o Ivo, a Paula e os miúdos… Fotografias, para ficar registado, e duas de letra e lá seguíamos o nosso caminho. A noite foi passando e o dia começa a aparecer. Que lindo estava o céu! Amarelo, laranja, azul… este amanhecer teve direito a “paragem facebook” 😉
Lentiscais estava em festa e nós parecíamos ser os convidados de honra. Fomos recebidos por todos aqueles que nos apoiavam, sim os mesmos de sempre: FT (os meus anjos), família Morais e a família do Faria. Se não me engano, eram 23 pessoas no total. Só para que tenham uma ideia da dinâmica deste grupo, na entrada do Centro de Dia (Lentiscais) estava a minha roupa, usada anteriormente, estendida a secar. E, durante o tempo que lá estive, a Tânia e a Susaninha (FT) foram a uma farmácia, em Castelo Branco, comprar umas pomadas para os pés, que muito me ajudaram, e que entretanto estavam a acabar. Indescritível toda esta organização! De banho tomado, roupa lavada e barriga cheia segui o meu caminho, agora sozinho, já que o Faria resolveu sair mais cedo. Saí fresco e renovado, com protetor solar até aos olhos, para me proteger do intenso sol que não dava tréguas…
O próximo destino era agora Vila Velha de Ródão (BV6). Mais 31 km (e mais uma surpresa). Saio forte, a correr em estrada, mas com sobe e desce. Alcancei 3 atletas que iam a passo. Nesta fase da prova foi um tal de tirar fotos… Era a organização (Paulo Alexandre), eram os amigos que nos acompanhavam… Tudo para mais tarde recordar! O sol estava muito forte e a água desaparecia. Ao entrar numa localidade dou de caras com um cafezinho, que parecia ter sido colocado ali de propósito… Litro e meio de água fresca (oferecida já que o dono do café não aceitou o pagamento – boa gente esta) que desapareceu num ápice. Uns km à frente outro café e, desta vez, um geladinho (como eu tinha sonhado com um calipo de morango). Mais ums km e 6 garrafões de 5 lt de água tinham sido deixados à porta de uma propriedade por um habitante local – “um oásis” pensei eu!!
Continuo a minha saga, a caminhar, fazendo uma média de 5 km por hora. Já avisto a Vila e, à entrada desta, tenho companhia até à BV6. O João, o Ivo e a Mariana fazem as honras e caminham ao meu lado. Ao chegar a referida surpresa. O meu amigo Leandro, aninhado e com as lágrimas nos olhos, esperava por mim. Com ele vieram a mulher, Andreia, o Vitor, a Patrícia, o Miguel, a Helena, o Valter, a Paula e o André… Que grandes malucos estes meus amigos vindos do Porto. E mais uma garrafa de oxigênio para os 46 km finais! E claro que também lá estava a FT em peso para me receber!
Fónix!!!! 29 pessoas em meu redor a duzentos e tal kms de casa???? Nem queria acreditar… Agora era cerrar os dentes e ir até ao fim 😉
Os 31 km seguintes, até Montes da Senhora (BV7), eram duros e decisivos (1300d+, 20h15m). Com a noite a cair, despeço-me dos meus amigos e cumprimento o Paulo Borges, da organização, que me diz: “Carlos agora é pensar km a km”. Interiorizei aquela indicação e saio confiante, de bastões em punho (não era fácil utilizar bastões pois o gps ocupava uma das mãos). O João acompanhou-me nos 200 metros iniciais e a partir daqui estou novamente sozinho. Ligo o frontal, cerro os dentes e sigo montanha acima. Foram cerca de 8 km, entre trilhos e estrada, num subir constante, onde a pedra solta era muita e os meus pés já pediam clemência. Estavam maçados, pisados e desesperados para que aquele troço acabasse rapidamente. Quanto a mim, foi o mais feio de toda a prova. Durante este percurso avisto a minha gente. Esperam-me à beira de uma fonte, onde me debruço e bebo, quase ofegante, como se fosse a última água à face da terra. Olho para eles a chorar e queixo me do trilho. A Paula diz-me: “força Kaká, o pior já passou!”.
Montes da Senhora estava agora mais perto e, pelo caminho, já com a música ligada, alto e bom som, passo mais 3 atletas e consigo alcançar ainda o Rodrigo, que estava parado a mudar as pilhas do frontal. Conversa puxa conversa e percebo que o Rodrigo tinha estado também à conversa com os meus amigos. Perguntou-lhes quanto é que eu lhes pagava para me acompanharem a tantos km de casa. Quando lhe responderam que era apenas amor e amizade ficou admirado. Tinha 7 irmãos e vários amigos, mas sabia que se lhes pedisse um esforço idêntico levava como resposta uns dedos do meio, bem levantados!
Finalmente chego à BV7! Toda a minha comitiva estava lá, novamente. Enrolados em mantas, com sono e fome, mas prontos para o que fosse necessário… Tratam-me dos pés, dão-me uma taça de cerelac, bem quentinho, e, sem demora, lá sigo eu rumo à meta.
24 km separam-me da concretização de um sonho. Proença está mesmo perto, pensei! Os primeiros 10 km passam rápido, maioritariamente feitos em alcatrão. Os Morais e a minha equipa de apoio estão por todo o lado. Mal entrava numa localidade lá estavam eles a incentivar. O tempo passou bem mais depressa.
Chego a Vale de Urso. Como ansiei por este momento. Nesta localidade estava alojada a FT, os meus anjos. O Gil, a Carla, o Rodrigo, o Tiago, a Ana, o Tomás, a Mariana, a Tânia, o Nuno, o Duarte, a Susaninha e a minha querida filha Maria, passavam pelas brasas mas, em jeito de alvorada, o Hugo trata de os acordar. Ainda com a roupa do dia anterior, já que tinham chegado a casa há poucos minutos, festejaram, abraçaram-me e claro, tiramos uma foto para a posteridade… Faltavam agora 6 km e o corpo estava a dar as últimas. O sono era muito e as alucinações eram por demais… Nunca pensei que fosse possível caminhar e dormir ao mesmo tempo, mas foi o que aconteceu!
E eis que entro em Proença. O sonho estava ao virar da esquina. Começo a descer e dou de caras com o Hugo. As lágrimas caem e já não tenho controlo sobre nada. Viro à esquerda e vejo a meta, e vejo-os, TODOS, à minha espera, prontos para festejarem comigo. Gritam por mim, querem que eu chegue! A Cristina tem a medalha de finisher nas mãos… Inclino-me e ela coloca-me a medalha ao pescoço! A magia acontece!! 62h35m depois estou rodeado pelos meus amigos, que choram de felicidade comigo. Abraço-os 1 a 1, em forma de agradecimento, pois sem eles não teria sido possível!
Beat Your Limit! Que orgulho fazer parte desta equipa, MUITO OBRIGADO a todos… Agradeço ao meu treinador, António Nascimento, pelo enorme trabalho que tem feito comigo (já sabes que vais ter que beber a cerveja J )
À Skechers Portugal agradeço a confiança e aproveito para dizer que as GOrun 4 mantiveram os meus pés impecáveis ao longo de todo o percurso!
Às Marias um muito obrigado pela energia extra, fornecida naquelas bolinhas maravilhosas…
Agradeço também a todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, me foram incentivando ao longo do percurso (sms, telefonemas, etc.)
Não posso deixar de dirigir aos organizadores da PT281+ um enorme aplauso pela organização da prova
E deixo uma grande vénia àqueles malucos que estiveram no terreno comigo. Vocês são os meus HERÓIS!
Sou finisher da Pt281+ carago…”